A Psicanálise como ofício próprio e livre.
Outro dia me deparei com a entrevista de um profissional da área médica e com formação em psicanálise, portanto um médico e psicanalista, que deixa claro nas entrelinhas de sua referida entrevista que para ser um psicanalista seria necessário um diploma em medicina ou psicologia. Tal profissional, causa um desserviço à sociedade ao passar informações falsas sobre um tema tão sério e importante.
Ao contrário do que muitos pensam e alguns até afirmam, a Psicanálise não é um oficio ligado à medicina ou a psicologia. A Psicanálise é uma profissão própria e livre, podendo ser exercida por qualquer um que tenha um curso de graduação e faça uma formação específica baseada no "Tripé" (teórico, análise pessoal e supervisão), em uma escola reconhecida que ministre o "curso de formação psicanalítica". Lembremos ainda que, dentre os mais renomados e respeitados psicanalistas brasileiros, estão alguns filósofos, sociólogos, biólogos e até engenheiros. Veremos a seguir, a regulamentação do ofício de psicanalista de acordo com a CBO do Ministério do Trabalho.
"A CBO(Classificação Brasileira de Ocupações) do Ministério do Trabalho e Emprego, é o documento que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro.
De acordo com a CBO, a ocupação de Psicanalista-Analista(Psicanálise) possui o código 2515-50 que pertence à família "Psicólogos e Psicanalistas" código 2515.
Entre outras coisas, os trabalhadores dessa família, estudam, pesquisam e avaliam o desenvolvimento emocional e os processos mentais e sociais de indivíduos, grupos e instituições, com a finalidade de análise, tratamento, orientação e educação; diagnosticam e avaliam distúrbios emocionais e mentais e de adaptação social, elucidando conflitos e questões e acompanhando o(s) paciente(s) durante o processo de tratamento ou cura; investigam os fatores inconscientes do comportamento individual e grupal, tornando-os conscientes; desenvolvem pesquisas experimentais, teóricas e clínicas e coordenam equipes e atividades de área e afins. Além disso, é exigido destes trabalhadores o nível superior completo e experiência profissional que varia segundo a formação. Para o psicanalista é necessário, no mínimo, cinco anos de experiência e os cursos de qualificação exigem mais de quatrocentas horas-aula.
Os profissionais dessa família ocupacional atuam, principalmente, em atividades ligadas a saúde, serviços sociais e pessoais e educação. Podem trabalhar como autônomos e/ou com carteira assinada, individualmente ou em equipes. É comum
também trabalharem com supervisão. Têm como local de trabalho ambientes fechados e eventualmente, trabalham em horários irregulares. A ocupação
psicanalista não é uma especialização, é uma formação, que segue princípios, processos e procedimentos definidos por instituições reconhecidas, podendo o psicanalista ter diferentes graduações como: psicólogo, médico,
filósofo etc."
Fica claro na exposição acima, que o diploma de médico ou de psicólogo não constitui, por si só, condição de capacidade para o exercício legal da pratica ou clinica psicanalíticas, sendo necessário apenas a formação específica.
Podemos ainda lembrar, que tal decorrência, não se dá apenas no Brasil, mas na maioria dos países onde a Psicanálise está inserida, a sua pratica é aberta aos profissionais das mais diferentes áreas. Assim como no Brasil, além de médicos e psicólogos, presenciamos muitos educadores, artistas, pedagogos, assistentes sociais que após suas formações em Institutos e ou Sociedades psicanalíticas, atuam legalmente como Psicanalistas.
O próprio Freud, em meados dos anos 20 do século passado defendeu e ratificou a pratica da psicanálise por "não médicos" em seu maravilhoso texto denominado "A questão da análise leiga", deixando claro a especificação da formação do psicanalista, que diferentemente de outras profissões, o aprendizado está na apreensão de uma experimentação vivida pelo analista em formação ao lidar com seu próprio inconsciente em sua análise pessoal, capacitando-o para o exercício da escuta psicanalítica. Por essas e outras, fica claro a distinção da formação do analista em comparação a qualquer outra formação acadêmica, pois a formação do analista é e sempre será um processo único e permanente que não se restringe a obtenção de um diploma que lhe sugira "estar pronto".
O reputado psicanalista brasileiro Dr. David E. Zimerman, disse certa vez que " A pratica da psicanálise é muito difícil. A teoria é simples. Se o analista tem boa memória poderá ler todos esses livros e decora-los com facilidade. Mas isso não equivale a ser um bom analista. Um bom analista está sempre lidando com situação desconhecida, imprevisível e perigosa.
O fundador da psicanálise Sigmund S. Freud, afirmou em seus últimos anos de vida o seguinte: " Enquanto eu estiver vivo, vou impedir que a psicanálise seja tragada pela medicina".
Infelizmente, parece que alguns profissionais não leram ou não entenderam os textos do criador, tentando fazer da psicanálise uma profissão restrita e enclausurada.
Freud costumava dizer que "Nenhum analista vai mais longe do que seus próprios complexos e resistências internas lhe permitam", ainda bem que existem muitos outros psicanalista que transcenderam suas próprias questões e mantém vivo o pensamento do pai da psicanálise até os dias de hoje.
Marcos C. Ciciarelli, filósofo, psicanalista e analista em psicossomática pela Associação Brasileira de Medicina Psicossomática(ABMP)
Bibliografia:
-www.mtecbo.gov.br
-Psicanálise leiga e livre(Texto)